Saturday, September 02, 2006


Mulholland Drive [2001]- O sonho que comanda a vida?

Parece consensual afirmar que o universo cinematográfico de David Lynch é, na sua generalidade, abstracto. Tal como o próprio realizador refere, o seu cinema "assemelha-se à música"... Uma composição de elementos, não necessariamente visuais, aos quais não ficamos indiferentes. David Lynch criou um 'cinema-intuitivo/transcendente' que não se pode apreciar segundo a pura razão. O sentido último de um filme de Lynch não é aquele que decorre das imagens e sons que vemos e ouvimos mas sim daquilo que somos capazes de construir a partir desses elementos.

Mulholland Drive representa, na sua plenitude, o modelo de cinema intuitivo/transcendente de Lynch. Aborda uma história de paixão, procura de realização de sonhos, inconformismo com a normalidade e frustrações da vida. Aspectos comuns na vivência diária em Hollywood? Características de um modo de vida de promissores actores que não toleram a indiferença, o segundo plano, ou o sucesso e impacto das grandes figuras que conseguem vingar e alcançar o estatuto de ícones do cinema? Será, então, Mulholland Dr. uma metáfora representativa do  caminho "sinuoso" para alcançar esse estatuto?... Talvez sim, talvez não. No final de contas, trata-se de um filme profundamente misterioso no seu sentido, no melhor registo que caracteriza a obra cinematográfica e televisiva (recordamos, por exemplo, "Twin Peaks") do realizador David Lynch.
Apesar de controverso, ninguém lhe consegue ficar indiferente...

Recomenda-se!

http://www.mulholland-drive.com/

Thursday, May 18, 2006


The New World [2006] - Um 'banho sensorial'

O  argumento é interessante e a fotografia é muito boa. Os primeiros dez minutos de fita são - no mínimo - estonteantes... Rapidamente o espectador é convidado a entrar no "universo reflexivo" do realizador Terrence Malick, autor de filmes marcantes como Badlands [1973], Days of Heaven [1978] e Thin Red Line [1998].

No entanto, talvez tenha faltado um pouco de contenção na quantidade de 'planos-ambiente', detalhes gráficos e sequência de imagens e sons que Terrence Malick tanto gosta de introduzir nos seus filmes. A - pensamos - excessiva "contemplação" da natureza e da personagem interpretada pela jovem actriz Q'Orianka Kilcher tornam-se, por vezes, redundantes, produzindo o efeito inverso àquele que o realizador procurou alcançar - o de criar momentos de reflexão e simbologia. O retrato da sociedade indígena organizada e desprovida de malícia sai, talvez, um pouco "aborrecido" com a forma repetitiva com que Malick 'embrulha' o conteúdo fascinante que o filme apresenta.
Por outro lado, e num plano estritamente subjetivo, diríamos que Colin Farrel - na personagem do Capitão John Smith - consegue levar-nos ao bocejo. A ausência de expressão corporal enfraquece, em medida relevante, o potencial deste filme.

Ainda assim, o saldo é positivo e o dinheiro bem empregue. Talvez o pior de tudo fosse facilmente evitável...

Bom filme!




http://www.thenewworldmovie.com/

Tuesday, April 25, 2006


The Shining [1980] - Um épico do terror


No fim de semana passado decidi revisitar um filme que considero ser uma autêntica «jóia» do género 'terror'.
Não será o género que mais me interessa; no entanto, quando vi o 'The Shining' pela primeira vez fiquei rendido à evidência de que pode ser um género fascinante.
Neste filme, esta possibilidade decorre do génio de quem dirige e compõe a obra (Stanley Kubrick). Aquele que coordena a sequência das imagens, o enquadramento das personagens nos planos, a incidência dos sons na narrativa e a gestão do silêncio em momentos cruciais. Por vezes, uma qualquer acção aparentemente ordinária torna-se  numa cena arrepiante: a voz "bizarra" do amigo imaginário de Danny (Tony), a inesperada história que assombra o Hotel e os cenários tétricos do quarto proibido (room 237...) são alguns dos elementos de desconforto que, lentamente, ao longo do filme, contribuem habilmente para um ritmo em 'crescendo' de tensão que, no final, culmina com a inesquecível perseguição no "labirinto gelado".

Kubrick consegue, logo na sequência lindíssima de planos inicais, prender o espectador à cadeira. A música provoca uma desfasamento imediato de sentido e intenção com a imagem que vemos - repare-se que a melodia e os sons que a acompanham não figuram uma cadência regular ou contínua... há sempre uma nota, um som, um acorde que destoa, ou que não se adivinha. Ao mesmo tempo que se cria uma conjugação "som-imagem" de"intriga" e suspense, a nossa atenção é, num primeiro momento, centrada no veículo onde Jack Torrance (interpretado por Jack Nicholson) segue e, posteriormente, num segundo momento, no Edifício do Overlook Hotel. Estão identificados dois dos personagens principais: O vilão Jack e o Hotel, ou... melhor, a 'vida' que neste 'brilha' . Isto é, para aqueles que a conseguem ver...

Visualmente inesquecível, é um filme exemplar no que respeita ao trabalho de "adaptação" ao cinema da obra literária de Stephen King. Dentro do género, não haverá, com certeza, muito melhor.

A ver!

Monday, March 20, 2006


Crash [2004] - Do afastamento à reconciliação



Até chegar à realização de "Crash", Paul Haggis só tinha feito trabalhos para televisão, principalmente como argumentista.
E foi nesta qualidade que já deu provas de ter mente fértil. Recentemente colaborou no argumento de "Million Dollar Baby", de Clint Eastwood.

"Crash" é um filme com uma narrativa descontínua onde a discriminação racial é o tema de fundo. Com o desenrolar da fita abrem-se portas a outros temas ou sub-temas associados, como o progressivo isolamento, afastamento e dispersão das pessoas em sociedade ou o encontro do 'amor' como elemento unificador no combate ao medo e à violência.

A "colisão" a que o filme alude no seu título é, sem dúvida, um mote bem sugestivo. O medo que nos priva do contacto com "aquilo" ou aqueles que receamos, também nos priva de tudo aquilo que nos pode aproximar dos outros. E, assim, por vezes, não conseguimos evitar que, no propósito de evitar aquilo que desconhecemos, seja porque motivo for, entremos em rota de colisão com algo... - no fundo, a sempre oportuna 'chamada de atenção' para um sentimento superior, seja ele um abraço, um acto heróico do mais puro altruísmo, um reconhecimento de um erro ou a reconciliação consciente com o passado.

Uma nota de apreço para a banda sonora que, tal como sucede em "Magnolia", contribui para uma sequência de cenas no final cheia de significado e força.

Filme vencedor do Óscar de Melhor Filme do Ano em 2006.